domingo, 20 de janeiro de 2013

Em busca de uma cura única

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Cientistas tentam descobrir mecanismo comum a todos os tipos de câncer para criar remédio genérico contra o grande mal da vida moderna

Em seu livro O imperador de todos os males – uma biografia do câncer, o oncologista indiano Siddharta Mukherjee cria uma bela e sinistra metáfora para tentar apresentar ao leitor o tema de sua obra: “[...] aos poucos senti que era como se eu não pudesse evitar escrever não sobre algo, mas sobre alguém. Meu assunto diário metamorfoseou-se em algo que parecia um indivíduo. Não se tratava tanto da história médica de uma doença como de algo mais pessoal e mais visceral: sua biografia”.
As palavras do médico resumem o entendimento que a doença passou a ter ao longo dos últimos 50 anos: não existe uma doença chamada câncer, mas sim vários cânceres, que assumem um aspecto muito particular em cada organismo do qual se apossam. É como se cada manifestação fosse tão única quanto o indivíduo no qual ela se desenvolve, com formatos, texturas, ritmos de crescimento e agressividade únicos, que exigem tratamentos muito particulares.
Ceticismo
Para médicos, hipótese da P53 é uma entre as várias possíveis
Pesquisas recentes mostram que, de fato, falhas no mecanismo que controla a morte celular programada – chamada de apoptose celular – estão fortemente associadas a muitos tipos de câncer. De acordo com o oncogeneticista do Hospital Erasto Gaertner e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca) José Cláudio Casali da Rocha, as desregulações neste mecanismo são apenas uma das estratégias que o câncer desenvolve para atacar o corpo.
“A proteína P53, produzida pelo gene TP53, está alterada em 50% do casos de câncer. Mas e quanto à outra metade? As vias genéticas que o câncer interrompe para ganhar tempo e conquistar espaço são como estações de trem. Em metade dos casos, o trem está parado na estação P53, mas nos outros, ele pode atacar outra estação”, explica Casali, lembrando que há mais de 30 mil genes conhecidos, o que aumenta o leque de vias genéticas que o câncer pode explorar.
“A P53, que é um gene supressor tumoral, é o pilar que equilibra os fatores de risco (fumar, expor-se à radiação, alimentar-se mal) e os fatores oncogênicos, e já se sabe que muitos dos cânceres malignos de mama, bexiga, cólon e estômago estão envolvidos quando ocorre esse desequilíbrio”, diz o oncologista clínico do Instituto de Oncologia do Paraná (IOP) Luciano Biela. “Mas, dentre os mecanismos que agem na multiplicação celular, há várias outras vias que podem influenciar na mutação.”
Os pesquisadores dos três laboratórios envolvidos – Merck, Roche e Sanofi –, no entanto, estão otimistas, e acreditam que essa via de pesquisa servirá para unir forças em torno dos cânceres associados a essa disfunção, influenciando inclusive no aporte de verbas, que pode crescer caso se prove que é possível atingir vários cânceres de uma vez só.
Descobertas no campo da oncologia genética, no entanto, mostram que pode estar cada vez mais perto o dia em que haverá um medicamento capaz de tratar vários tipos diferentes de câncer, a partir do entendimento de um mecanismo que seja comum a todos eles – independentemente de onde se localizam as células tumorosas, seja na mama, na próstata, no cólon ou na bexiga. O otimismo surge 20 anos após a descoberta de uma proteína que pode estar na gênese de muitos tipos da doença.
Identificada em 1993, a proteína P53 foi chamada de “a molécula do ano” na época. Em células normais, essa substância diz a uma célula com DNA mutante e muito danificado que ela deve se programar para morrer. É o “anjo da morte” que diz à célula que, diante de uma perda total da função do DNA, ela precisa desaparecer. No caso de células tumorosas de muitos cânceres, a P53 é inibida – a célula, portanto, não morre, e torna-se cada vez mais agressiva.
Pesquisas recentes conduzidas por três laboratórios buscam desenvolver uma droga que evite a supressão da P53, impedindo que ela seja desativada no organismo. Até o momento, os testes ocorrem em camundongos, e ainda não se sabe qual é a dose correta da droga para que esta seja efetiva e ao mesmo tempo não-tóxica em seres humanos. Os próximos anos dirão até que ponto é plausível a ideia de que um só mecanismo explique o aparecimento do câncer.

Possibilidade deve ser vista com cautela
Um medicamento que consiga tratar todos os tipos de cânceres também gera cautela entre os médicos já que, mesmo que se prove que a causa em si é a mesma – uma célula danificada que não morre –, as consequências dessa desregulação seriam muito diferentes em cada indivíduo. Traduzindo: a apoptose celular defeituosa pode ser a causa de tudo, mas o ambiente em que se desenvolve o problema, por ser único em cada pessoa, exigiria um tratamento particular.
Em entrevista à mídia norte-americana, um dos diretores da Sociedade Americana do Câncer, Otis Webb Brawley, disse que esta será a primeira vez que drogas serão testadas em pacientes com tipos diferentes de câncer, e que está otimista. “Eu espero que o órgão do qual o câncer se originou seja menos importante no futuro e que o alvo molecular seja mais importante”, disse. Porém, há ceticismo.
“O câncer é muito heterogêneo e eu não acredito que haverá uma única explicação para todo caso. O tratamento será cada vez mais personalizado. Chegará um tempo em que o paciente terá o diagnóstico, fará uma bió­­psia, esse pedaço do tumor será processado e, com base no tipo da lesão, haverá uma terapia para cada pessoa”, argumenta o oncologista do serviço de Ginecologia e Mama/Patologia Cervical do Hospital Erasto Gaertner Carlos Afonso Maestri.
O médico, no entanto, diz que novas frentes de pesquisa na área surgem todos os dias, e que nenhuma hipótese pode ser descartada ou, pelo contrário, vista como a única esperança. Com a massificação e o barateamento dos testes genéticos, que estudam as manifestações hereditárias da doença, é possível abrir novas frentes e estudar melhor as estratégias do câncer, sabendo, afinal, se ele poderá ser vencido em uma ou várias frentes.

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